Foi realmente uma pena: não pude participar da apresentação de ontem. A baixa disponibilidade de ônibus típica de um sábado não permitiu que eu chegasse a tempo de apanhar o veículo que levaria os coralistas ao local do concerto. Pelo mesmo motivo, minha tentativa heróica de ir até o mosteiro de São Bento por conta própria para cantar fracassou: à minha chegada, coro e orquestra já estavam no palco; o espetáculo já havia começado. Mais tarde, uma coralista comentaria a decepção estampada em meu rosto.
Assisti à apresentação de longe, o terno que tomara emprestado horas antes para o evento - e cujo cabide havia se partido durante o melancólico trajeto Campinas-Vinhedo - sempre em mãos. Perdi a primeira peça, meu adorado Ave Verum, de Mozart, mas essa voltou no bis. Ouvi a seguinte, uma ária de Alessandro Scarlatti para soprano, e depois a conhecidíssma Ária da Quarta Corda.
Finda a parte inicial, foi anunciado o Messias. Doeu-me o coração ouvir os primeiros acordes do coro And the Glory of the Lord, ausentei-me da sala do concerto por alguns instantes, ouvindo a música de um corredor adjacente. Foi quando mais quis estar no palco. Esse sentimento, porém, passou logo, e antes mesmo da metade do já referido coro voltei a ser platéia. Permaneci na sala praticamente até o final; apenas fui esticar um pouco as pernas quando quando o Hallelujah ressurgiu, no bis.
O concerto foi maravilhoso. Identifiquei um ou outro erro nos baixos - e talvez na orquestra, não me arrisco a afirmar - bem como algumas vozes de coralistas "furando" seus naipes, mas nada capaz de comprometer o espetáculo, que classifico como excelente e de alto nível. Sim, deixar de cantar após dois meses de trabalho moldando voz e espírito para a apesentação machuca, e muito, mas busco alento na idéia de que ajudei a construir o concerto e tenho condições de tomar parte em projetos musicais de grande qualidade. Se ontem tive de conferir tal qualidade da platéia, foi por azar, não incapacidade.
***
Só mais umas coisas.
Após a apresentação, alguns coralistas - poucos - disseram que eu deveria ter vestido o paletó e subido ao palco entre uma peça e outra. Isso não me pareceu certo por várias razões.Jamais faria tal coisa sem consentimento do regente. Talvez até me metesse a ser o "coralista que chegou depois" em algum compromisso menos formal do Zíper na Boca, mas nunca numa apresentação de gala, quase todos no palco músicos profissionais - justamente eu era uma das pouquíssimas exceções. Além disso, todos já estavam ali há quase duas horas, em clima de apresentação, aquecidos e concentrados. Não seria honesto de minha parte "chegar chegando" sem ao menos estar descansado. E, por favor, estamos falando de um mosteiro. Já estive lá cinco anos atrás. É simplesmente um local à parte neste mundo maluco. Todos - maestro, cantores, musicistas - já haviam absorvido a atmosfera do santo lugar. Quanto a mim, era apenas cansaço e nervosismo.
Após o concerto, o regente, católico, falou-me algo como "Deus não quis que você cantasse". Não sei se realmente acredito num deus, mas talvez houvesse mesmo um motivo para que as coisas se dessem da mnaeira como descrevi. Fico apenas me perguntando se a razão é de ordem "esotérica", ou se algo menos complexo explica tudo. Algo em minha vida cotidiana, por exemplo. Quem sabe?
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