sábado, 6 de outubro de 2012

justos?




"De novo essa capa ridícula?", o leitor vai pensar. Preciso dela como chamariz, entretanto, como já se vê, prosseguindo este texto.

Peço a atenção de vocês para uma história trágica e verídica, consequência esta de uma tragédia muito maior, em tudo relacionada com a imagem postada.

O tio de uma conhecida de minha mãe, de família muito simples, vendia pipocas numa calçada em Pinheiros. Por muitos anos, ele saiu de sua casa no extremo sul da cidade, chegava com seu carrinho ao ponto habitual para ganhar a vida, como se diz. Há poucos dias, a Prefeitura de São Paulo decidiu que aquele carrinho de pipocas estava proibido de permanecer ali. E agora? Anos e anos fazendo o mesmo trabalho, no mesmo lugar, assim forçado a abandonar a vida que escolhera, o mundo que
conhecia...o que fazer? Aquele senhor se desesperou. Desestruturado psicologicamente como devia se encontrar, subiu em um prédio - o que me remete ao fato de que Pinheiros é alvo de intensa especulação imobiliária - e se jogou de lá. Está morto.

Em vista disso, não posso deixar de me lembrar daquela capa horrorosa da Veja São Paulo, com uma foto do prefeito Gilberto Kassab, que amarga - com justiça - um dos maiores índices de rejeição entre todos os outros mandatários desta cidade e faz o
questionamento esdrúxulo: "Será que estamos sendo justos com ele?" Pergunto-me quantas vidas de pessoas honestas Kassab prejudicou com suas proibições insensatas, absurdas. Comerciantes ambulantes e artistas de rua se viram, em diversos episódios ao longo da lamentável administração atual, ameaçados, constrangidos, humilhados, muitas vezes mediante uso da força fardada, enquanto não faziam nada além de seu trabalho. Feirantes foram obrigados a deixar as ruas mais cedo para não atrapalhar um trânsito que na realidade só piorou com a proibição da circulação de caminhões e de ônibus fretados, bem como o investimento pífio em transporte público - e a tarifa sobe todo ano! - que nos prejudica a todos.

(Isso para não falar dos moradores de rua e dos usuários de crack que, em vez da assistência social e psicológica de que poderiam necessitar, vivenciaram o mais puro terror, sofrendo com a perseguição da polícia e dos guardas civis.)

(Será que mais alguém, em desespero, tirou a própria vida por causa do que Kassab fez?...)

"Será que estamos sendo justos com ele?", pergunta a suspeitíssima Veja. Ora, entendo que, ao manifestarmos com contundência nossa ojeriza a essa gestão autoritária e perversa, nós, paulistanos, estamos sendo muito justos, sim. Já a família do falecido dono de carrinho de pipocas não está. Para ser justa com Gilberto Kassab, ela deveria, no mínimo, entrar com uma ação na Justiça pela tragédia desencadeada por mais uma de suas tantas arbitrariedades. E lutar até o fim por uma condenação desse senhor. Pois ele não
governou para pessoas. Membro da associação comercial da cidade, governou para os grandes negociantes a quem deve tudo, inclusive o mandato que (enfim!) se encerra -  sobretudo as empreiteiras, suas maiores patrocinadoras de campanha. Kassab tomou decisões visando à "limpeza" do espaço público, para a retirada de tudo o que parece feio e desagradável às elites e ao elitismo que representa.

Neste caso, "ser justo", portanto, significaria fazer Kassab pagar, pelas mãos de quem sofreu diretamente por suas ações.

A cidade não pode ser dividida entre aqueles que querem construir prédios e os que podem pagar para morar neles. Porque há muitos - MUITOS - que não se encaixam nesse esquema. E a solução não é se isolar atrás de muros de condomínios para se "proteger" desses excluídos. Nem deixar, por um lapso, que um deles atravesse os muros e busque, para o seu problema específico, remédio tão definitivo que, uma vez utilizado, não há volta.