terça-feira, 13 de setembro de 2011

sobre o belas artes e patrimônio


O caso do cine Belas Artes ainda não terminou. Esta semana, o Conpresp, órgão municipal de proteção do patrimônio na cidade de São Paulo, deve votar o pedido de tombamento do complexo, o qual, uma vez aprovado, impediria o imóvel que por anos abrigou o cinema - hoje fechado - ter outro destino que não o de abrigar salas de projeção. A pedido do próprio Conpresp, a Procuradoria-Geral do Município foi responsável pela emissão de parecer acerca da preservação do espaço, e se manifestou de forma contrária a essa ação. A permanência do cinema em seu tradicional endereço, entre a Paulista e a Consolação, parece, portanto, ameaçada.
Fundamenta o pedido de preservação do Belas Artes não um possível valor arquitetônico ou urbanístico de sua construção, como é de praxe, mas o patrimônio imaterial que o cinema representa: haveria de se tombá-lo como espaço de fruição de uma produção cinematográfica diferenciada. Trata-se também de um dos poucos cinemas "de rua" remanescentes na capital, engolidos que foram pela explosão de salas multiplex de shopping centers.
A intenção, portanto, é das mais nobres e ainda envolve uma questão inovadora no entendimento a respeito do que a cidade de São Paulo deve considerar como bem que não pode ser perdido.
Uma observação mais atenta, entretanto, que essa inovação não é integral. Pensemos na localização do cinema. É uma área nobre, ainda das mais valorizadas de São Paulo. Sob a justificativa de preservar a paisagem urbana o mais próximo possível do original - impedindo, por exemplo, a construção de edifícios altos - foram tombados bairros inteiros, como o Jardim América, Interlagos e, mais recentemente, o City Lapa. Todos elitizados desde o momento de sua concepção. Ora, parece bastante questionável a atitude de preservar somente espaços nobres, num momento em que o mercado promove a mais ferrenha especulação imobiliária já testemunhada por esta cidade. Vemos quarteirões inteiros de certos bairros indo ao chão, suas casas e sobrados simples cedendo espaço a prédios de gosto no mínimo duvidoso onde os antigos moradores e pessoas de poder aquisitivo similar não terão condição de morar. Isso para não falar dos habitantes de favelas em áreas mais centrais, esses são sistematicamente expulsos pelo própio poder público, este por sua vez atendendo aos interesses de empresários do setor imobiliário.
Leve-se em conta também que a existência de cinemas como o Belas Artes, com uma programação em geral avessa à lógica do pipocão hollywoodiano, também atende a uma necessidade de mercado - menos massificado que o dos blockbusters, por exemplo, mas ainda assim mercado. Embora houvesse as sessões especiais e os filmes que permaneciam em cartaz por muito mais tempo que o habitual, o foco eram as novidades, os filmes cult recém acolhidos pela crítica. Nesse sentido, talvez sejam ainda mais interessantes como formadores de apreciação cinematográfica além da hegemônica espaços especializados em mostras e retrospectivas, em boa parte públicos, como as salas de centros culturais, a Cinemateca e a Galeria Olido - este último um antigo cinema de rua no centro que hoje pertence à Prefeitura - que exibem clássicos e filmes fora do circuito comercial, inclusive, a preços mais acessíveis.
Que não se entenda mal, entretanto: o Belas Artes deve continuar, e continuar onde está, até pela tradição. Perdê-lo para ter em seu lugar, por exemplo, um centro comercial de qualquer natureza - pois agora ele é vizinho de uma estação de metrô - seria uma perda irreparável, mais uma. Mas sua preservação não deveria acontecer via decreto. O movimento pela preservação do cinema deveria sensibilizar o dono do prédio sobre a importância de manter o cinema ali, ainda que isto lhe traga lucros menores.
Mas muito mais merece ser preservado. A discussão deve ir além: a ação das incorporadoras e construtoras precisa ser questionada com urgência. Patrimônio não é só o espaço "chique" frequentado por gente de bem. É tudo que o cidadão reconhece como objeto de fruição sua e da coletividade: o cinema tradicional que tem público cativo, a tranquilidade do bairro de classe média baixa com suas construções baixas, o direito da população mais humilde - ou, neste caso específico, da fração dela que consegue habitação em áreas centrais - de não ser obrigada a viver num local que a obrigue a se deslocar para chegar ao trabalho por seis, sete horas horas diárias. Tudo isto é a cidade, é aquilo com que podemos nos relacionar de forma mais ou menos democrática e igual.
Infelizmente, no dia de hoje isso soa idealista demais, a única ordem vigente é a dos ganhos financeiros rápidos e exorbitantes. E para garantir que ainda sobre algo que signifique algo às pessoas nesta São Paulo às vezes difícil de considerar cidade, devido à falta de identificação de seus moradores com a realidade que os rodeia, só na base da canetada.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

o anjo da história

Terminei ainda agora de ler O Que É O Anarquismo, da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense. O autor é Caio Túlio Costa.
Mas não quero aqui tratar sobre a qualidade do livro, nem mesmo refletir sobre minhas posições políticas - saber que leio sobre anarquistas já deve ser assustador o bastante (risos). Trago aqui uma imagem a que fui apresentado ao final desta minha leitura, composta por um quadro e uma célebre interpretação deste, que alguns devem conhecer.
Abaixo, o Angelus Novus, de Paul Klee.



Sobre ele, Walter Benjamin, pensador antiautoritário, escreveu o seguinte (transcrito daqui):

“Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.”


Caio Túlio afirma que "ninguém, mais do que os libertários (anarquistas), olharam para a história como o Angelus Novus", "pasmados pela barbárie que o homem produziu".

E o que tenho a dizer sobre isso?...

Na verdade, apenas digo que tal proposição é um ponto de partida para inúmeras reflexões. Primeiro, trata-se de buscar uma perspectiva distinta da História, mais ampla, não focada em datas e nem sob a necessidade de crer numa ideia de progresso ao longo dos mais distintos fatos e períodos históricos. E afinal, o que de fato é progresso? Existem eras denominadas de prosperidade em nossa História que representaram de fato melhoras nas condições de vida da população como um todo? Quem define o que se chama de progresso? As massas populares têm vez nos processos de mudanças sociais e econômicas experimentados ao longo do processo histórico? Tiveram alguma vez? Terão algum dia? Ou a história se repete sempre e não o percebemos?
Não necessitamos todos nos tornar libertários se não o quisermos, mas creio termos muito a aprender uma vez adquirida essa visão em perspectiva de nosso passado.