quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Consciência Negra "versus" consciência humana

Vocês aí, compartilhando no Facebook aquela frase aparentemente tão esclarecida e “pra frentex” sobre um “dia da consciência humana”: não é somente a vocês que se dirigem estas linhas, mas peço-lhes atenção redobrada ao que tenho a dizer.
Gostaria que me esclarecessem em que ponto uma proclamada consciência humana exclui, por si só, o Dia da Consciência Negra. Ou qualquer data que faça alusão à luta por autoafirmação e respeito de grupos que foram vítimas de opressão ao longo da história pelo simples fato de serem o que são.
Eu imagino a boa intenção de quem leu inicialmente sobre consciência humana e pensou “sim, é isso mesmo!” Porque somos todos humanos, não é verdade? Somos todos iguais...certo?
É, deveríamos ser. Com efeito, nascemos todos iguais, Homo sapiens sapiens, as mesmas características que, do ponto de vista biológico, nos distinguem como espécie. Todos pertencentes à mesma espécie. Humanos, demasiado humanos, mesmo apesar de aparentes distinções externas. Cor da pele é uma delas, mera diferença superficial, incapaz de nos separar até mesmo entre raças, como já se tomou num passado não tão remoto.
E aí chegamos a um ponto de interesse: ao longo de nossa história, a pigmentação da pele foi sempre tomada pelo conjunto da sociedade como um insignificante detalhe diante da constatação de que somos todos humanos? Não foi, não é mesmo? Já citamos a ideia equivocada de raça, lembremo-nos também da escravidão a qual foi submetida à população africana, o Apartheid na África do Sul, a segregação institucionalizada nos Estados Unidos até a segunda metade do século vinte, entre outros exemplos.
Voltemos o olhar ao Brasil, pois o Dia da Consciência Negra é “coisa nossa”. Primeiro, a população negra foi escravizada. Houve focos de resistência, como o Quilombo de Palmares, liderado por Zumbi, cujo assassinato foi o motivo pelo qual foi escolhido o dia 20 de novembro para o feriado. No final do século dezenove, a escravidão caducou, precisava acabar e acabou, não tanto por “nobreza” da Princesa Isabel, mas porque era já defunta viva. E o negro? Quem se lembra do negro nos livros de história depois da abolição? Integrou-se de forma efetiva a uma sociedade que o recebeu de braços abertos? Viveu ele feliz para sempre?
Para sempre, entende-se, alcança os dias atuais. Vamos questionar, então, o tempo presente.
Os negros recebem os mesmos salários de brancos que realizam tarefas remuneradas similares? O rendimento médio dessas duas etnias, independentemente da função exercida, é similar?
Negros, mulatos e pardos – esse último termo me incomoda muito, aliás – constituem, juntos, a maioria da população brasileira. Devemos supor, então, que eles representam a maioria também em conjuntos representativos em nossa sociedade? São os negros e mestiços a maior parte dos alunos em universidades públicas? Em cargos de comando em empresas e instituições, sejam públicas ou privadas? O Supremo Tribunal Federal tem um ministro branco e o restante é negro?
Policiais tratam da mesma maneira brancos e negros em suas abordagens? Os jovens negros têm as mesmas probabilidades de morrerem de forma violenta que jovens brancos?
O princípio de igualdade explicitado anteriormente não é respeitado. Por conta disso, grupos minoritários vêm a público reclamar pelo direito à dignidade e a uma existência plena que lhes são simplesmente negados. O ser sujeito à discriminação não quer privilégio, pois ele ainda sequer é tratado como igual. O Dia da Consciência Negra, a causa indígena, o movimento LGBT, o dia da Visibilidade Trans* - todos eles existem para lembrar que somos todos humanos, sim.
Consciência humana de verdade é poder se colocar no lugar do outro, no lugar do oprimido, entender por que ele faz questão de explicitar sua diferença: é porque ele reclama uma igualdade que ele não vivencia.
Parem para pensar. Afinal, a própria palavra “consciência” remete à razão, ao ato de refletir determinadas ações ou ideias, sejam as nossas próprias, sejam aquelas cristalizadas em nossa sociedade.
Pois não é privilégio dos negros pensar sobre o porquê de um Dia da Consciência Negra. Fica o convite. A todos os humanos.