sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

natalinas

Já há alguns meses o lixeiro só passa na rua de casa bem tarde, por volta das duas da manhã - consegui conferir uma vez. Eu já vinha pensando, se bobear, ele fica sem caixinha de natal. Mas hoje, dia da véspera, o caminhão apareceu perto das oito, o horário antigo, recolhendo resíduos e o dinheirinho dado de bom coração. Nada mais certo, aliás: seria muita sacanagem colocar o pessoal pra trabalhar nesta madrugada, longe de suas famílias.

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Um dia desses encontrei tudo revirado em casa, estavam desmontando móveis para levar embora. No chão, uma peça de outros tempos: uma máquina de escrever, mais precisamente uma Olivetti Lettera 82. E tem mais: ela foi um presente de Natal. Falo muito sério. Eu tinha oito anos quando pedi uma máquina de escrever. Ganhei esse modelinho clássico e portátil: ela vinha com uma tampa e uma vez fechada, podia ser carregada como uma valise. Claro que não era exatamente leve, né?
Mas calculem a criança nerd que fui, pedindo um presente desses!
O engraçado é que nunca me interessei em estudar o método de datilografia que vinha junto com a máquina e nem me lembro de ter escrito algo memorável com ela. Mas se você me perguntasse o que eu ia ser quando crescesse, a resposta estava na ponta da língua: escritor. Aliás, já falei disso por aqui, há alguns anos, quando eu...escrevia muito mais.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

os filhos dos sem-teto sofrem, sim. mas a culpa não é dos pais

Quem me segue no Twitter deve saber que tenho acompanhado o caso de um grupo de sem-teto que está acampado em frente à Câmara Municipal. Para os que não sabem da história, aí vai um resumo.
O grupo é ligado à Frente de Luta por Moradia. Meses atrás, a FLM organizou a ocupação de quatro prédios ociosos no centro de São Paulo. Dois desses edifícios tiveram reintegração de posse decretada, num intervalo de poucos dias entre uma decisão judicial e outra. O primeiro grupo desalojado ficou numa praça próxima à Câmara. Lá permaneceram ali por três dias, da mesma forma pacífica que antes haviam deixado o prédio, até serem expulsos pela Guarda Civil Metropolitana com bastante truculência. Foram utilizadas até mesmo bombas de gás. Ato contínuo, os sem-teto foram para a frente da Câmara, para prosseguir pressionando o poder público por medidas que viabilizem a moradia popular no centro, bem como se proteger de novos ataques.
(No dia seguinte, eu vi crianças com os olhos inchados. E não era de insônia.)
Um segundo grupo juntou-se a eles alguns dias mais tarde, após execução de ordem judicial em outro prédio ocupado. E a sede do Legislativo municipal encontra-se ocupada já há duas semanas. O que a Prefeitura ofereceu até agora foi rechaçado pelo grupo, por se tratar de paliativos e/ou soluções que não contemplassem a todos os acampados.
Há muitas famílias ali, algumas com crianças bem pequenas. O Ministério Público vem discutindo uma maneira melhor de ampará-las enquanto o acampamento/protesto prossegue. O tempo instável dos últimos dias preocupa: calor intenso e chuvas idem. Esse é o foco de uma reportagem publicada hoje no jornal Diário de S. Paulo.
Não a leiam agora, porém...não sem antes chamarmos atenção para alguns pontos.
"Agora que estamos aqui, num lugar que muitas pessoas olham, dá para elas terem uma ideia de como é duro viver sem casa", diz um dos acampados, conforme publicado. Ou seja, essas pessoas estariam sujeitas a tais dificuldades onde quer que estivessem. Elas não têm onde morar. Sob as tendas improvisadas diante da "Casa do povo paulistano", esses problemas estão bem diante dos olhos de todos, é uma situação que não pode ser facilmente ignorada. A questão da invisibilidade social é abordada diretamente na matéria, o que é algo bastante positivo.
Mas é de um jornal paulistano que falamos, um porta-voz do pensamento conservador local. Como tal, o Diário não perdeu a chance de tentar desqualificar o movimento e seu modo de reivindicar. A leitura é evidente logo no título da reportagem - "Crianças na rua por protestos dos pais" - e em outras passagens no texto, entende-se que os pais submetem as crianças a condições de vida similares às de um mendigo.
Já ouvi gente dizendo que os acampados estariam "usando" os filhos para chamar atenção, despertar piedade. Mas não ocorre às pessoas que tem essa opinião o seguinte: a situação calamitosa e digna de pena seria a mesma na porta da Câmara, num barraco em encosta de morro ou alagado e isolado de tudo num Jardim Romano da vida.
A ação da FLM pressiona as autoridades a sair de seu imobilismo habitual, além de oferecer aos demais cidadãos a oportunidade de pensar sobre o processo de exclusão na metrópole - a mídia deveria tomar parte nesse debate.
Mesmo apresentando alguns momentos de bom senso, a matéria do jornal ainda é enviesada. Assim, ela serve para amplificar o discurso retrógrado que muitos possuem em relação a movimentos sociais e a suas bandeiras. Mas não falta por aí conservador que é mal informado, que não enxerga a situação além de uma perspectiva limitada a partir da qual é fácil chamar de manipulador (ou coisa pior) quem tem uma causa, por mais justa que seja. O jornal não colabora de fato para uma nova visão dos fatos. As ideias sobre nossa realidade não mudam, o que é bastante propício para um governo municipal que praticamente nada faz para promover efetiva inclusão social e não recebe por isso as devidas críticas de alguns setores da imprensa local (por quê?)
Bem a calhar vem esta matéria mais correta de um outro jornal paulistano, o Jornal da Tarde, também de hoje, que afirma categoricamente que o número de domicílios vagos em São Paulo resolveria o atual déficit de moradia - e ainda sobrariam casas!
Agora sim, após todas essas precauções, segue o link para a matéria do Diário.