sexta-feira, 22 de julho de 2011

ah, desculpe, achávamos que fossem gays ou mendigos (Thiago Arruda)

Reproduzo, a seguir, um ótimo texto da autoria de Thiago Arruda, que aborda o hediondo caso do pai que foi atacado e teve uma orelha quase totalmente arrancada por agressores que acharam que ele e o filho eram homossexuais porque estavam abraçados. O flagrante desrespeito aos direitos de quem é considerado menos que humano encontra paralelo num outro ato covarde ocorrido catorze anos atrás, quando criminosos abjetos atearam fogo a um índio que dormia num ponto de ônibus porque (?) foi confundido com um mendigo.
Chama atenção a baixa repercussão do caso desta semana - um crime de motivações claramente homofóbicas - no noticiário da Rede Globo, que decidiu recentemente abortar da novela Insensato Coração uma série de cenas - algumas já gravadas - envolvendo o casal gay Eduardo e Hugo, sob o pretexto de não "exaltar" a homossexualidade nas novelas. Ora, a verdade é que a emissora não quis correr risco de perder audiência e anunciantes com o tema, num caso ainda mais flagrante de colocar negócios acima de gestos humanitários do que o da propaganda da Vivo, sobre o qual comentamos recentemente. O desserviço é tamanho que compromete até mesmo o jornalismo, como se a denúncia veemente de homofobia e demostrações de afeto fossem "levantar bandeira". Bem, para a alta cúpula Globo, aparentemente é; alguém graúdo deve ter decidido que na novela já se tinha ido longe demais e a ordem foi puxar o freio do antipreconceito em toda a programação.
Enfim, que a luta por direitos humanos para TODOS os seres humanos prossiga sem o apoio de grandes corporações, através, por exemplo, da internet, fonte do texto a seguir e meio onde todos, não somente uma minoria interessada em fazer mais dinheiro, podem expressar sua voz.



Ah, desculpe, achávamos que fossem gays ou mendigos.


Thiago Arruda

Ah, desculpe, foi um engano: achávamos que fosse um mendigo. Foi isso que disseram, no ano de 1997, em Brasília, os jovens de classe média que assassinaram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. O caso ganhou ampla repercussão. O grupo simplesmente resolveu atear fogo ao corpo do homem que dormia sob o abrigo de uma parada de ônibus da cidade. Sadismo e ódio de classe lhes ofereceram motivos suficientes para isso.

Na última sexta-feira, 15 de julho de 2011, um novo engano. Pai e filho são agredidos brutalmente em São João da Boa Vista, cidade localizada no interior de São Paulo. Os agressores julgaram que eles eram gays; julgaram, e condenaram, mesmo diante da resposta negativa das vítimas. O pai teve parte da orelha cortada. Os autores não foram presos, são desconhecidos.

O que há de comum entre o gay e o mendigo? Algo que autoriza a violência. Algo que, aos olhos de alguns, pode justificá-la. O que o pequeno engano cometido pelos jovens brasilienses e pelo grupo de paulistas revela é que alguns – alguns muitos – são a ralé, uma sub-raça, um tipo inferior e que, portanto, devem apanhar, ou mesmo morrer. Para que aprendam, ou simplesmente para que seus carrascos possam dar vazão a toda a raiva que a mera existência desses vermes lhe provoca, ao poluírem o seu mundo. A essas criaturas, não resta humanidade, muito menos direitos.

É profundamente emblemático que um dos agressores paulistas tenha sido tão claro ao afirmar: “agora que liberou, vocês têm que dar beijinho”. Quantas vezes não escutamos um “não sou preconceituoso, apenas tenho o direito de não ver dois homens [ou duas mulheres] se agarrando” ou algo parecido? No fundo, trata-se da invenção absurda do direito de que o outro não faça, não seja, não exista. É o direito que o homofóbico proclama a si mesmo de que o outro se esconda, envergonhe-se de si e da forma como ama.

É daí que vem o seu direito de atacar. Cortar a orelha do “culpado”, aliás, é um castigo antigo. Em algumas civilizações, o ato significava que o acusado não ouvira bem, não compreendera bem a “voz da lei”. De fato, os que não se submetem a heteronormatividade esquivam-se de dar ouvidos ao imperativo hegemônico da sexualidade. Frequentemente, são castigados por isso; pelos homofóbicos que proclamam sua lei, proclamam o direito de que o outro não exista e tentam fazê-la cumprir a ferro e fogo. É assim que a relação se inverte: as vítimas são punidas; os vitimizadores punem e permanecem impunes, espalhando ódio por praças, igrejas...

O machismo nunca se deu bem, é verdade, com intensas demonstrações de carinho entre pai e filho. Logo, não é tão estranho que essa relação seja confundida com a relação entre namorados do mesmo sexo. No entanto, o mais grave é que há aqueles cuja revolta, declaradamente ou não, dirige-se contra a incapacidade dos agressores em diferenciar gays de pais e filhos – ou mendigos de não-mendigos (não que os índios sejam bem tratados, não o são). Algo como “que absurdo, esses loucos atacando cidadãos de bem”. Preserva-se, assim, um silêncio; no espaço não-pronunciado, persiste, firme, forte e bruta, a autorização da violência contra os seres sub-humanos que entopem os bancos das praças ou fazem sexo porcamente: se fossem mesmo, se não se tratasse de um engano, se fossem o que achavam que eram, não faria diferença. O problema permanece. Não se deveria a isso toda a repercussão na mídia que teve o caso da última sexta-feira? Quantos gays, lésbicas, travestis e transexuais são agredidos todos os dias no Brasil? Os relatos são constantes; a repercussão, bem menos intensa. O fato de a TV Globo ter, recentemente, censurado a participação de um casal gay na trama de uma das suas novelas é também revelador nesse sentido.

Cuidado. Você pode ser confundido com um gay, uma lésbica, ou um mendigo por aí. Portanto, comporte-se.

Um comentário:

POEIRAS AO VENTO disse...

Falou alguma coisa...quando na maioria tentam nos calar.Parabens peloblog, tenho vindo por aqui mesmo que silenciosamente.
Sou contra qualquer tipo de preconceitoporem, defendo meu pensamento que considero racional dos imbecis e indulgentes.Abraços