sábado, 9 de junho de 2007

uma carta

D.,

Seguramente, deve surpreender o fato de eu lhe escrever uma carta, a qual sequer acredito que lerá até o final, isso se a leitura tiver mesmo sido iniciada. A recente constatação de que não faço mais parte de seu seleto grupo de amigos, reais, virtuais, ou outros, é o que me motiva a redigir tal missiva. Caso contrário, jamais me daria ao trabalho de fazê-lo, ou mesmo de buscar dirigir-me à sua pessoa, o que, em última instância, era sua intenção em seu gesto simbólico, ou nem tanto, de excluir-me de sua existência.
O que coloco em questão é se você tinha o direito de fazê-lo da forma deliberada que procedeu. Não é possível para mim acreditar que se tratou de algum engano pois, sem falsa modéstia, apesar de minha timidez, não sou pessoa de que se esquece facilmente. Eu fico na lembrança das pessoas por uma história ou outra, e muitas vezes essa experiência esta relacionada à música.
Aquele ano de 2004, estávamos os dois no mesmo grupo coral. Você, a descontração em pessoa, em poucos instantes de conversa já fazendo graça com as pessoas. Eu, mais reservado, buscando me concentrar no canto quase como questão de honra. Não que você fosse displicente em relação ao coro, eu que era mais caxias. Além disso, a música espantava minhas recentes preocupações sobre a vida. E eu não podia suspeitar que uma nova fonte de problemas estava prestes a surgir.
A arte, a expressão musical reunindo pessoas as mais variadas imagináveis. Pessoas diferentes. Eis que você me chama atenção. E foi algo sem precedentes em minha vida. Não me culpo pelo que surgiu e, claro, ficou restrito à minha pessoa. Certamente não é de sua conta, e você nem precisava saber disso diretamente de mim, mas já me culpei bastante. Sofri muito. Aquele incidente em C. - por favor, não diga que não se lembra, não acredito - foi o ponto culminante de minha dor. Nada daquilo foi planejado, jamais. Fui um idiota, passei aquela noite quase sem dormir, e por mais alguns dias senti-me o pior dos seres humanos pelo fato de não saber manter-me fiel ao que havia prometido a mim mesmo. E, pior ainda, você parecia ter se assustado demais com o que havia acontecido; que monstro eu era? Por um tempo, acreditei, convencido por você, sabe?, que minhas preocupações eram exageradas. Tinha como certo, entretanto, que deveria esquecer...esquecer...pois as preocupações volta e meia retornavam, será que aquela coisa impensada de C. se repetiria? Isso eu deveria fazer sozinho. E venci. Mas eu queria que você estivesse OK comigo também, será que aquele "cara estranho" ainda merecia algum crédito de sua parte? Então tivemos uma conversa dias antes do Natal, via eletrônica, em que você se despediu dizendo: "foi legal conhecer você esse ano". Era o que eu precisava para ter boas e tranqüilas festas, principalmente porque pareciam palavras tão sinceras.
Terminei aquele ano, depois de enfrentar uma boa leva de atribulações (...), confortado com a idéia de que, malgrado meu grande "erro" de enxergar você como uma pessoa especial, você ainda me considerava um colega. Logo o tempo cuidou de desfazer tão errônea impressão. Assisti, calado, a seu primeiro gesto unilateral de cortar laços comigo, limando-me de seu MSN. Eu disse a mim mesmo que talvez tivesse sido melhor assim, que o correto seria evitar ao máximo o surgimento de novos embaraços para ambos; que nos encontrássemos apenas casualmente (...) e nada mais. Assim se fez, e logo aquele sentimento maluco tornou-se mais uma em minhas lembranças, parte de um passado definidor, mas antes de tudo passado.
Então, inesperadamente, veio o desagradável. Este ano, escrevi-lhe em seu aniversário, usando de um tom afável, e tudo que recebi em troca foi silêncio e, como vim a saber depois, a certeza de que a presença de algo que remetesse à minha pessoa em seu mundo particular não era bem-vinda.
D., virou-me as costas como se eu nada fosse, você que, de maneira incomum - estou ciente de que você usaria outro adjetivo, um capaz de me atingir - você que foi o que foi para mim.
Agora mesmo, estou falando de coisas que jamais me veria dizendo a você, se é que você está de fato acompanhando estas palavras; poupei você de ouvi-las, sofrendo sozinho quando mais a verdade em mim se fazia arder, por volta de três anos atrás. Passada a maior das dores, reergui-me, pronto a seguir com minha vida, tornando você apenas uma recordação casual, que me fazia rir em minha própria tolice. Então, em sua atitude de varrer o único e remoto contato comigo - com o que fui? - a ferida é reaberta. Era impossível ficar calado, não me desculpe.
Não lhe peço, de forma alguma, que goste de mim, que me considere parte de sua vida em qualquer sentido. Não o pedi no ano em que nos conhecemos e não o faço agora. São outros os tempos, eu sou outro. Sequer exijo que você desfaça o que fez, não sem que sua consideração pela minha pessoa seja realmente sincera. Sua atitude aparentemente amigável já me levou a cair em erro uma vez, por que devo acreditar que tal coisa não se repetiria? Por que duvidar que, em seu sentimento, ao qual me ocorre um nome aqui, mas não quero rotulá-lo, você me enxerga como alguém inferior, indigno de sua atenção? Talvez até mesmo menos que humano? Afinal, sempre fui um "cara estranho", não é verdade?
Não, D., não preciso de quem me menospreze; em meus caminhos achei tanta gente capaz de gostar de mim, de me respeitar de fato, de ao menos tentar me compreender. Não estou lhe implorando que faça o mesmo. Só quero postar-me diante de você e dizer, conste que. Conste que existo. Conste que vivo. Conste que sou ser humano, falível, inteligente, capaz de sentir. O mais engraçado é que, se você tivesse ficado na sua, sem tentar me espantar como um mosquito, eu jamais teria sentido necessidade de ter feito nada disso.
Não vou cobrar nenhuma resposta a esta carta, nem sei se ela vai ser lida. Simplesmente faça o que sua consciência sem rótulo mandar.

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