quarta-feira, 19 de maio de 2010

loyola brandão e a falação

Um dos livros cuja leitura mais me arrebatou é brasileiro. Ele se chama Não Verás País Nenhum e foi escrito por Ignacio de Loyola Brandão. A história se passa numa São Paulo de um futuro tão aterrador quanto possível: a especulação imobiliária tomou todo o espaço disponível e destroçou a vida nos bairros, os carros foram proibidos de andar nas ruas porque eles simplesmente não saíam mais dos congestionamentos, o clima é sufocante mesmo à noite. O apocalipse se estende ao país inteiro: a Amazônia se tornou um grande deserto, os governantes mentem, oprimem, matam. E tudo aconteceu basicamente porque deixamos...
É livro para comentar e citar pelo resto da vida. Destaco agora palavras sobre a "falação" que se forma em torno de certos assuntos de relevância, no mínimo, discutível e na qual às vezes embarcamos sem nos dar conta, até o momento em que simplesmente não conseguimos mais ouvir falar sobre o caso e constatamos que tanta discussão não fez a menor diferença...


"Um país onde há séculos se deita falação. Desde a carta de Pero Vaz de Caminha. A falação foi uma característica que os Esquemas souberam capitalizar, introduzindo na psicologia popular. Fizeram com que a falação se transformasse numa cortina de fumaça, encobrindo tudo que fosse possível.

O processo de falação obedece a uma seqüência invariável. Um primeiro momento, o da chamada denúncia. Alguém levanta o problema. Em seguida, uma fase delicada. A das vozes indignadas, governamentais ou não, que se erguem exigindo providências. O terceiro momento requer habilidade.

É a fase das promessas. Garante-se a formação de comissões de inquérito, promovem-se passeatas controladas, editoriais consentidos na imprensa, entrevistas categóricas. Este período é essencial, exige uma avalanche de falação contínua, exacerbada, exasperante. Falar até o total sufoco.

Não deixar ninguém raciocinar. Repisar indefinidamente o assim, até o ponto de completa saturação. Falar, falar até o esgotamento. E então, de repente, ninguém mais pode ouvir sequer comentar as tais denúncias. Elas se esvaziam. (...)

Os sistemas de governo se sucederam, as noções políticas se modificaram, menos a falação. Esta prosseguiu, como tara hereditária.(...)

Veio a Falação. (...) surgiram os protestos, artigos, e falatório contra tudo o que parecia errado para eles. Lutavam, denunciavam, protestavam, organizavam manifestações de rua, assembléias, cortejos, comícios, atos.

(...)

Quando a falação se iniciava, o poder se calava. Por um tempo. Depois, se indignava. Lentamente seus membros passavam a engrossar a fileira dos que contestavam. Até que todos, absolutamente todos, estavam falando.

Enquanto falavam, deixava-se a esperança de que providên­cias seriam tomadas. Era a nuvem de fumaça. As pessoas se esgo­tavam na falação. Cansavam o assunto, esvaziavam. Morria."



Pergunte-se qual é a falação do momento. E por favor, leia Não Verás País Nenhum.



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