Vocês
aí, compartilhando no Facebook aquela frase aparentemente tão esclarecida e “pra
frentex” sobre um “dia da consciência humana”: não é somente a vocês que se
dirigem estas linhas, mas peço-lhes atenção redobrada ao que tenho a dizer.
Gostaria
que me esclarecessem em que ponto uma proclamada consciência humana exclui, por
si só, o Dia da Consciência Negra. Ou qualquer data que faça alusão à luta por
autoafirmação e respeito de grupos que foram vítimas de opressão ao longo da
história pelo simples fato de serem o que são.
Eu
imagino a boa intenção de quem leu inicialmente sobre consciência humana e
pensou “sim, é isso mesmo!” Porque somos todos humanos, não é verdade? Somos todos
iguais...certo?
É,
deveríamos ser. Com efeito, nascemos todos iguais, Homo sapiens sapiens, as mesmas características que, do ponto de
vista biológico, nos distinguem como espécie. Todos pertencentes à mesma
espécie. Humanos, demasiado humanos, mesmo apesar de aparentes distinções
externas. Cor da pele é uma delas, mera diferença superficial, incapaz de nos
separar até mesmo entre raças, como já se tomou num passado não tão remoto.
E
aí chegamos a um ponto de interesse: ao longo de nossa história, a pigmentação
da pele foi sempre tomada pelo conjunto da sociedade como um insignificante
detalhe diante da constatação de que somos todos humanos? Não foi, não é mesmo?
Já citamos a ideia equivocada de raça, lembremo-nos também da escravidão a qual
foi submetida à população africana, o Apartheid
na África do Sul, a segregação institucionalizada nos Estados Unidos até a
segunda metade do século vinte, entre outros exemplos.
Voltemos
o olhar ao Brasil, pois o Dia da Consciência Negra é “coisa nossa”. Primeiro, a
população negra foi escravizada. Houve focos de resistência, como o Quilombo de
Palmares, liderado por Zumbi, cujo assassinato foi o motivo pelo qual foi
escolhido o dia 20 de novembro para o feriado. No final do século dezenove, a
escravidão caducou, precisava acabar e acabou, não tanto por “nobreza” da
Princesa Isabel, mas porque era já defunta viva. E o negro? Quem se lembra do
negro nos livros de história depois da abolição? Integrou-se de forma efetiva a
uma sociedade que o recebeu de braços abertos? Viveu ele feliz para sempre?
Para
sempre, entende-se, alcança os dias atuais. Vamos questionar, então, o tempo
presente.
Os
negros recebem os mesmos salários de brancos que realizam tarefas remuneradas
similares? O rendimento médio dessas duas etnias, independentemente da função
exercida, é similar?
Negros,
mulatos e pardos – esse último termo me incomoda muito, aliás – constituem,
juntos, a maioria da população brasileira. Devemos supor, então, que eles representam
a maioria também em conjuntos representativos em nossa sociedade? São os negros
e mestiços a maior parte dos alunos em universidades públicas? Em cargos de
comando em empresas e instituições, sejam públicas ou privadas? O Supremo Tribunal
Federal tem um ministro branco e o restante é negro?
Policiais
tratam da mesma maneira brancos e negros em suas abordagens? Os jovens negros
têm as mesmas probabilidades de morrerem de forma violenta que jovens brancos?
O
princípio de igualdade explicitado anteriormente não é respeitado. Por conta disso,
grupos minoritários vêm a público reclamar pelo direito à dignidade e a uma
existência plena que lhes são simplesmente negados. O ser sujeito à
discriminação não quer privilégio, pois ele ainda sequer é tratado como igual. O
Dia da Consciência Negra, a causa indígena, o movimento LGBT, o dia da
Visibilidade Trans* - todos eles existem para lembrar que somos todos humanos,
sim.
Consciência
humana de verdade é poder se colocar no lugar do outro, no lugar do oprimido, entender
por que ele faz questão de explicitar sua diferença: é porque ele reclama uma
igualdade que ele não vivencia.
Parem
para pensar. Afinal, a própria palavra “consciência” remete à razão, ao ato de
refletir determinadas ações ou ideias, sejam as nossas próprias, sejam aquelas
cristalizadas em nossa sociedade.
Pois
não é privilégio dos negros pensar sobre o porquê de um Dia da Consciência
Negra. Fica o convite. A todos os humanos.